Um operador pode atender a um município rentável e, com o respiro financeiro, levar os serviços a
municípios não rentáveis
Há algum tempo essa pergunta ocupa o imaginário de políticos, reguladores, órgãos de controle e agentes da sociedade civil, atentos ao compromisso que o país assumiu com a população de universalizar o acesso ao saneamento até 2033. A meta nacional consta em lei — a 14.026/2020,conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento. Seu texto diz que o acesso aos serviços de abastecimento de água potável deverá alcançar 99% da população, e os de coleta e tratamento de esgoto pelo menos 90% até o ano programado.
Para contextualizar o cenário em que o país está atualmente: 84,2% da população recebe água limpa, segundo a base de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, dados de2021). A coleta de esgoto está no patamar de 55,8%, e o tratamento em 51,2%. Pouco mais da metade do esgoto gerado, portanto, é tratado.
Apesar de as soluções de saneamento básico serem conhecidas e estarem disponíveis, historicamente investimos pouco, sem o ritmo necessário. Desse balaio, entendemos que o desafio não é propriamente técnico, mas político — tanto de priorizar o tema na agenda pública quanto de elaborar o arranjo institucional das soluções — e de acesso a recursos.
Do ponto de vista técnico-operacional, o próprio Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil —que analisa indicadores dos cem municípios mais populosos do país —reúne, curiosamente, entre os cinco municípios com melhores indicadores na edição de 2023, dois de operação pública municipal(São José do Rio Preto-SP e Uberlândia-MG), um de operação pública estadual (Santos-SP), um de operação mista, via parceria público-privada (Piracicaba-SP) e outro de operação privada (Niterói-RJ). Isso indica, por meio de resultados concretos, que diferentes tipos de operação são potencialmente capazes de fazer o que é preciso: levar os serviços à população.
A partir do Novo Marco Legal do Saneamento, o país tem entendido que as respostas coletivas, de regionalização das operações de saneamento, serão o caminho ideal para ganhar escala na operação
Saneamento dos serviços e para entregar soluções a municípios que, por si só, não comportariam uma operação sustentável. Isso seria feito por meio do mecanismo de subsídio cruzado, modelo em que um mesmo operador pode atender a um município rentável e, com esse respiro financeiro, levar os serviços aos municípios não rentáveis sem prejuízo. Essa lógica deu início à concepção das companhias estaduais de saneamento, décadas atrás.
Problemas complexos não são resolvidos com respostas simples. Até por isso, a resposta à questão orientadora deste artigo não pode ser respondida com sim ou não. O sentimento é de otimismo. Nos últimos anos, temos tido demonstração de que é possível universalizar os serviços. Os arranjos vêm sendo pensados para a diversidade do país em que vivemos, e existe apetite por investimentos. Fora isso, é também preciso dizer que a concertação política para que as soluções aconteçam depende um tanto de nós mesmos. Ano que vem é de eleições municipais, instância responsável pelas soluções de saneamento. Como está a realidade do saneamento no município e no estado em que vivemos? Estejamos atentos para exigir e ajudar a construir o país que queremos.