No ritmo atual, demoraremos quase dois séculos para universalizar a coleta de esgoto. Podemos esperar esse tempo?
O governo federal, por meio do Ministério das Cidades, publicou em janeiro a atualização do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), com os indicadores setoriais referentes ao ano-base de 2022. O Snis é o maior banco de dados sobre saneamento do Brasil, oferecendo preciosas informações dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros e de seus prestadores de serviços.
A utilização inteligente e estratégica de dados desempenha um papel crucial na formulação e implementação de políticas públicas voltadas para o setor de saneamento básico.
Eles são ainda mais importantes em nosso atual contexto, com o já aprovado Novo Marco Legal do Saneamento Básico, a Lei n.º 14.026/2020, que estipula que até 2033 99% da população brasileira tenha acesso à água tratada e 90% à coleta e ao tratamento de esgoto. Considerando o abastecimento de água, atendimento e tratamento de esgoto, o que vimos, comparando os dados de 2021 e 2022, é apenas uma pequena variação positiva. Apesar de uma melhora marginal em todos os indicadores, o cenário estável encontrado mantém ligado o sinal de alerta para atingirmos o proposto. O Índice de Atendimento Total de Água (IN055) evoluiu de 84,2%, em 2021, para 84,9%, em 2022. O Índice de Atendimento de Esgoto (IN056) foi de 55,8% para 56%; o Índice de Tratamento de Esgoto Gerado (IN046) foi de 51,2% para 52,2%; e o de Perdas na Distribuição de Água (IN049) diminuiu de 40,3% para 37,8%.
Nesse ritmo, em passos de tartaruga, o desafio de alcançarmos as metas propostas pelo novo marco fica maior, diante do prazo a cada ano mais curto. Se continuarmos evoluindo nesta velocidade, por exemplo, a universalização do acesso a coleta de esgoto levará 170 anos para se concretizar, comparando a evolução de um ano a outro. A lógica é: se avançamos apenas 0,2% em um ano, para evoluir 34% levaremos 170 anos.
E, para cumprirmos a lei, o rápido avanço no investimento é primordial. Apesar do aumento de 30%, se compararmos os valores de 2021 e 2022, indo de R$ 17,3 bilhões para R$ 22,5 bilhões, os valores ainda estão muito aquém do necessário para a universalização. De acordo com o estudo do Instituto Trata Brasil, utilizando dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), do próprio Ministério das Cidades, serão necessários investimentos anuais médios de aproximadamente R$ 44,8 bilhões para chegarmos à meta proposta.
Outro ponto crítico é a gritante diferença regional entre a carência nos serviços e o porcentual de investimento. A Região Norte do País, por exemplo, que apresenta os piores índices de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, também conta com baixos índices de investimento. De acordo com o Diagnóstico Temático Serviços de Água e Esgoto, publicado pelo Ministério das Cidades, considerando os dados entre 2018 e 2022, a região conta com 20,7% da população brasileira com déficit de abastecimento de água, e, na contramão da necessidade de recursos, concentra apenas 6,1% dos investimentos.
O aumento significativo nos investimentos em saneamento básico é uma necessidade urgente diante destes colossais desafios em todo o País. A carência de infraestrutura adequada impacta diretamente a saúde pública, a qualidade de vida e o desenvolvimento socioeconômico. De acordo com estudo do Instituto Trata Brasil, com a falta de acesso ao saneamento básico de milhões de brasileiros, o País deixa na mesa mais de R$ 1 trilhão em benefícios socioeconômicos para a população. A destinação de recursos substanciais para projetos de saneamento não apenas proporciona acesso a água potável e tratamento de esgoto, mas também gera empregos, estimula o crescimento econômico local e reduz os custos associados aos problemas de saúde decorrentes da falta de saneamento.
A melhoria nas condições sanitárias cria um ambiente propício para o desenvolvimento educacional, uma vez que crianças saudáveis têm maior probabilidade de frequentar a escola regularmente. Além disso, a valorização das áreas urbanas e rurais com infraestrutura adequada atrai investimentos, impulsionando setores como o imobiliário e o turismo. Ao priorizar o saneamento básico, o Brasil não apenas cuida do bem-estar de sua população, mas também cria as bases para um crescimento sustentável e equitativo.
A falta de saneamento básico não é apenas um problema de saúde, mas também uma questão de justiça social. As comunidades carentes são frequentemente as mais afetadas pela ausência de infraestrutura sanitária adequada. A transformação do cenário do saneamento básico no Brasil exige uma abordagem proativa, com a alocação de recursos financeiros substanciais para essa causa. Investir em saneamento é, sem dúvida, construir um futuro mais saudável e igualitário para todos os brasileiros.